terça-feira, 10 de junho de 2008

Dificuldade com os números é mais comum que dislexia, diz estudo

09/06/2008
Folha de São Paulo


A discalculia, dificuldade em lidar com matemática, é mais comum que a sua versão com letras, a dislexia, revela um estudo elaborado em Cuba e divulgado hoje em um congresso científico no Reino Unido.

O estudo dirigido por Brian Butterworth, do Instituto de Neurociência Cognitiva do University College London, junto com o Centro cubano de Neurociência, descobriu que de 1.500 crianças examinadas entre 3% e 6% mostravam sinais de discalculia, enquanto entre 2,5% e 4,3% de dislexia.

Da mesma forma que a dislexia, a discalculia, que consiste na dificuldade de aprendizagem de operações matemáticas ou aritméticas, pode ser causada por um déficit de percepção visual ou problemas quanto à orientação seqüencial.

Considera-se que a dislexia é mais freqüente em países que, como os anglo-saxões, têm um idioma com uma ortografia difícil.

Ao apresentar seu trabalho, no Festival de Ciência de Cheltenham, Butterworth fez um pedido às autoridades e educadores britânicos para que estejam atentos aos sintomas da discalculia de forma que possam oferecer ajuda para aqueles que a possuem.

"Muitas pessoas talvez ignorem que sofram desta condição e inclusive, caso descubram esta dificuldade, não existem organizações que possam lhes ajudar como existem para a dislexia", lamentou o professor.

A dificuldade com os números tem um impacto "nas oportunidades de trabalho e na saúde", e os estudantes que sofrem dela "são infelizes", enquanto seus professores se sentem impotentes ao não poderem ajudar, prosseguiu o especialista.

Butterworth preparou um teste simples para identificar possíveis afetados, que, em sua opinião, deveriam receber ajuda para aprender
desde pequenos.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Cientista usa drogas para "turbinar" desempenho

São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 2008



Enquete indica que 20% dos pesquisadores fazem uso "instrumental" de remédios

Fármaco mais popular no meio acadêmico é Ritalina, contra déficit de atenção; substância é usada para melhorar a concentração

DA REPORTAGEM LOCAL

Uma enquete com 1.400 cientistas realizada na internet pela revista britânica "Nature" revela que já está disseminado na comunidade acadêmica o uso de drogas para melhorar o desempenho intelectual. Um em cada cinco entrevistados disse já ter feito uso "instrumental" de remédios que normalmente são usados para tratar problemas psiquiátricos.
A droga mais popular entre os cientistas, ao que parece, é a Ritalina, usada para tratar crianças com TDAH (transtorno do déficit de atenção por hiperatividade). Segundo entrevistados, ela melhora a capacidade de concentração para estudos e pode valer a pena mesmo tendo efeitos colaterais.
A enquete da "Nature" sobre o assunto foi iniciada no começo do ano, motivada por um artigo de pesquisadores da Universidade de Cambridge sobre aspectos socais e éticos desse novo fenômeno. A idéia do trabalho veio de um editorial da própria "Nature", que defende a pesquisa de drogas com propósito específico de melhorar desempenho acadêmico.
A revista -influente em praticamente todas as áreas da ciência- recebeu tantos comentários sobre o trabalho que decidiu fazer uma sondagem própria. A enquete divulgada ontem não tem valor de censo -o questionário era voluntário-, mas revela o que parece ser um fenômeno emergente na maior comunidade científica do mundo, a dos EUA (de onde vieram 70% das respostas).
Num fórum de discussão no site da revista (network.nature.com/forums), a discussão sobre aspectos biológicos tomou o rumo esperado, com todos concordando que é preciso pesar os efeitos colaterais indesejáveis de algumas dessas drogas contra os benefícios que elas trazem a quem é saudável. Contudo, 45% dos entrevistados consideram que, independentemente da questão de segurança resolvida, precisa haver restrições.
"Talvez o fator mais polêmico seja mesmo a questão ética", diz o neurocientista Alfredo Pereira Júnior, da Unesp de Botucatu, que entrou no debate. "Nossa sociedade não aceita, por exemplo, o doping no esporte, porque pode haver uma certa concorrência desleal por parte de quem se beneficia da droga." E, para o cientista, a questão dos efeitos colaterais também não está bem resolvida, já que o mecanismo de ação da Ritalina, por exemplo, é pouco conhecido. "O cérebro é muito complexo e mexer no balanço de excitação e inibição [dos estados de consciência] pode ser imprevisível."
É difícil saber, porém, até que ponto a moda do doping acadêmico pegou. Cientistas dos EUA ouvidos pela Folha, por exemplo, disseram não ter tido contato com a prática.
"Aqui no nosso laboratório trabalhamos com compostos que estimulam a neurogênese [nascimento de novos neurônios], não com essas drogas. As pessoas aqui gostam de comer chocolate, por causa dos flavonóides, e de fazer exercício, duas coisas que têm esse efeito", diz o biólogo Alysson Muotri, do Instituto Salk, da Califórnia. "Pelo que sei, isso [uso de Ritalina] está mais espalhado na costa Leste dos EUA."
O geneticista Marcelo Nóbrega, da Universidade de Chicago, diz que esse ainda não é assunto discutido com naturalidade nos corredores. "Cientista é gente careta. Isso não seria bem visto", diz. Para lidar com a pressão dos prazos, sua receita é outra. "A saída que a maioria usa é a boa e velha privação de sono." (RAFAEL GARCIA)

Mal-estar de Maio de 68 é ainda mais profundo hoje

EDGAR MORIN

FILÓSOFO

Para o pensador francês, desesperança e descrença no progresso trazidas pelos anos 90 desamparam atual geração e a empurram para um presente sem sentido

O FRANCÊS Edgar Morin é um dos últimos grandes pensadores vivos. Filósofo, historiador e sociólogo, aos 87 anos se empolga ao falar dos movimentos estudantis atuais e diz que uma das maiores conquistas de Maio de 68 foi a afirmação da adolescência como entidade social autônoma. Mas o intelectual acredita que a crise moral que provocou o levante de 40 anos atrás é hoje muito mais grave porque o mundo, segundo ele, perdeu totalmente a crença num futuro melhor.

SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Edgar Morin passou boa parte de sua trajetória intelectual defendendo a transdisciplinaridade, a idéia segundo a qual as ciências são complementares e o conhecimento só é válido quando colocado sob a luz da abrangência.
Convidado a abrir a segunda edição do ciclo de palestras "Fronteiras do Pensamento Braskem-Copesul", em Porto Alegre, Morin avisou que o tema de sua intervenção seria "1968-2008: o mundo que eu vi e vivi". Foi uma oportuna maneira de analisar os rumos da humanidade às vésperas do 40º aniversário da revolta francesa de Maio de 1968, o evento estudantil e operário que ultrapassou fronteiras, disseminando os valores que até hoje norteiam boa parte da modernidade ocidental. Horas antes da palestra, no último dia 14, Morin conversou por 40 minutos com a Folha no saguão de um luxuoso hotel da capital gaúcha. Os gestos frágeis e a voz definhante não condizem com o discurso vibrante e apaixonadamente engajado de um homem que dedicou a vida ao entendimento humano. Eis os principais trechos da entrevista.



FOLHA - Quarenta anos depois, o que ficou dos acontecimentos de Maio de 68?
EDGAR MORIN - 1968 foi, antes de mais nada, um ano de revolta estudantil e juvenil, numa onda que atingiu países de naturezas sociais e estruturas tão diferentes como Egito, EUA, Polônia... O denominador comum é uma revolta contra a autoridade do Estado e da família. A figura do pai de família perdeu importância, dando início a uma era de maior liberdade na relação entre pais e filhos.
A revolta teve um caráter mais marcante nos países ocidentais desenvolvidos. Teóricos achavam que vivíamos numa sociedade que resolveria os problemas humanos mais fundamentais. E, de repente, percebeu-se que havia uma insatisfação na parte mais privilegiada dessa sociedade, que é a juventude estudante. Jovens de classes privilegiadas que desfrutavam de bens materiais preferiram buscar uma vida comunitária, num sinal de que o consumismo da sociedade ocidental não resolvia os problemas e aspirações humanas. Muitos desses jovens trocaram a cidade pela vida com as cabras, em busca de felicidade. Esses grupos não duraram, porque não conseguiram resolver os problemas e conflitos -só perduram comunidades que têm o cimento religioso.
Mas o importante é que houve um processo de auto-afirmação da adolescência como entidade social e cultural. O rock, muito além da música, consiste em agrupamentos de jovens. É uma maneira de se vestir e se comportar. É a autonomização da adolescência, que se afirma por oposição ao mundo adulto dos professores e pais.
Depois disso, a poeira baixou e tudo pareceu voltar ao que era antes. Mas houve mudanças, sim. Foi depois de 68 que os homossexuais e as minorias étnicas se afirmaram e que o novo feminismo se desenvolveu. A imprensa feminina francesa pré-68 dizia: "sejam bonitas e façam uma boa comidinha para agradar aos seus maridinhos".
Depois de 68, essa mesma imprensa passou outro recado: "vocês estão ficando velhas, seus filhos foram embora e seus maridos as traem, então resistam". Foi uma verdadeira crise da idéia de felicidade, que é a grande mitologia da sociedade ocidental.

FOLHA - Um levante semelhante seria possível hoje em dia?
MORIN - Fatos históricos dificilmente se repetem, mas eu me pergunto se a comemoração de Maio de 68 não vai estimular jovens a seguirem o mesmo caminho. Na França, houve recentemente uma pseudo-reforma do ensino que despertou mais uma vez movimentos estudantis consideráveis. Claro, não tem nada a ver com Maio de 68, mas é alguma coisa.
Hoje em dia, movimentos estudantis se generalizam rapidamente e prosseguem mesmo quando o governo satisfaz os seus pedidos. É a alegria de estar juntos na rua, de desafiar os professores e a polícia. Até quando as reivindicações são ridículas, o fenômeno é importante, pois permite ao jovem tornar-se cidadão, escapando assim da crescente tendência ao apolitismo.

FOLHA - Mas o mal-estar que causou Maio de 68 permanece...
MORIN - Não só permanece, como agravou-se. Onde há vida urbana e desenvolvimento, há estresse e ritmos de trabalho desumanos. A poluição causa males terríveis, e nossa civilização é incapaz de impedir a criação de ilhas de miséria. Mas o que piorou mesmo foi o fato de termos perdido a fé no progresso. O mundo ocidental dava como certa a idéia de que o amanhã seria radioso. Mas, nos anos 90, percebeu-se que a ciência trazia também coisas como armas de destruição em massa e que a economia estava desregulada, enterrando de vez a promessa de que as crises haviam deixado de existir.
O sentimento de precariedade é agravado pelo fato de os pais não saberem se seus filhos terão um emprego. Tampouco há esperança vinda da esfera política. Os políticos hoje se contentam em pegar carona no crescimento econômico. Não bastasse a ilusão de que esse crescimento da economia resolveria os problemas, eis que agora impera a estagnação. O mal-estar está mais profundo, inclusive nas classes que têm acesso ao consumo. E quando não há mais futuro, a gente se agarra a um presente desprovido de sentido ou ao passado -nação e religião.

FOLHA - O senhor acredita no choque das civilizações?
MORIN - Parece cada vez mais grave a confrontação entre os mundos árabe-islâmico e ocidental. Mas isso não é um choque de civilizações, até porque boa parte do mundo muçulmano está amplamente ocidentalizada. O problema é que os países árabe-islâmicos estão tomados por um desespero ligado ao fracasso da democracia e do socialismo naquela região e à imensa corrupção trazida pelo capitalismo. Diante disso, parte da população torna-se ultra-religiosa e pensa que a salvação está numa interpretação integrista da sharia, a lei islâmica.
O choque das civilizações é uma profecia que se auto-realiza. Acreditar nela é estimulá-la. Além disso, islã, cristianismo e judaísmo têm um tronco comum. São fés monoteístas muito parecidas. Por isso me tranqüiliza saber que grandes civilizações como a China e a Índia tiveram a felicidade de escapar disso. Muitos males advêm dos monoteísmos.
Olhe o que acontece com a questão israelo-palestina. Nos dois lados impera cada vez mais a visão religiosa de um problema fundamentalmente nacionalista. Repare na força dos evangélicos nos EUA, berço da sociedade mais materialista do mundo e onde a teoria do criacionismo não pára de se espalhar. Tudo isso é uma grande regressão. Não acredito no choque das civilizações, acredito na volta da barbárie em suas mais diversas formas.

FOLHA - Uma das maiores mudanças mundiais das últimas décadas, a internet, na sua opinião, afastou ou aproximou as pessoas?
MORIN - Se considerarmos o fato de a internet ser um instrumento polivalente, que serve até aos interesses do crime, acho que a rede aproxima as pessoas. A internet tornou-se um sistema nervoso artificial que tomou conta do planeta. É algo que ajuda muito na hora de desenvolver afinidades, encontrar amigos, amores ou parceiros de hobby. A internet é um fato universal importantíssimo.
Mas os sistemas de comunicação não criam compreensão. A comunicação apenas transmite informação. É preciso estimular o surgimento de uma consciência planetária. Se a internet não desenvolver a idéia da comunidade de destinos da humanidade, terá apenas uma função limitada e parcelar.

FOLHA - Que papel restou para o intelectual hoje?
MORIN - O intelectual é alguém que toma a palavra em público para levantar problemas fundamentais. Infelizmente, os intelectuais foram levianos quando se tornaram stalinistas ou maoístas. Eles enganaram as pessoas.
Por outro lado, é ruim quando nos deparamos com um mundo entregue a peritos, especialistas e economistas, que são incapazes de enxergar a abrangência dos problemas essenciais e globais.
Intelectuais são necessários, mesmo quando eles se enganam. Quanto mais o mundo acha que não precisa deles, mais eles fazem falta (risos).


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O jornalista SAMY ADGHIRNI viajou a convite do evento Fronteiras do Pensamento

Do que os genes se lembram

12/05/2008


*Philip Hunter

Muitos geneticistas acreditam agora que o comportamento dos nossos genes pode ser alterado pela experiência— e que até mesmo tais mudanças podem ser transmitidas às gerações futuras. Essa descoberta pode transformar nossa herança e evolução.

Sabe-se há bastante tempo que o futuro de um organismo não é determinado apenas pelos genes. Isso pode ser visto observando-se gêmeos idênticos, que com o passar do tempo tendem a se diferenciar tanto psicológica como fisiologicamente.

Embora a maioria dos gêmeos idênticos tenha dietas e estilos de vida semelhantes, as sutis diferenças de cultura e de ambiente parecem alterar seus fenótipos— a soma de sua natureza e de sua criação.

Em 1942, Conrad Waddington cunhou o termo "epigenética" para descrever a idéia de que a experiência de um organismo pode fazer com que seus genes se comportem (ou "se expressem") de forma diferente.

Cientistas descobriram exemplos surpreendentes de comportamento epigenético no reino animal— na forma, por exemplo, como as larvas de abelhas domésticas "determinam" se vão se tornar rainhas ou operárias, dependendo de sua interação com as outras larvas e o ambiente.

Até pouco tempo, presumia-se que o impacto da epigenética era limitado a organismos individuais, e que isso não se transmitia aos descendentes. A epigenética era encarada como uma interferência entre os genes e o ambiente, dando aos indivíduos algumas capacitações para adaptação durante suas vidas, mas nada além disso.

Recentemente, porém, os cientistas estão convencidos de que existe uma forma de herança, denominada herança epigenética, na qual o comportamento dos genes dos descendentes é afetado pela experiência de vida dos pais.

Além disso, tais mudanças epigenéticas podem, pelo menos para uma pequena maioria dos genes, estender-se além dos descendentes imediatos para as próximas gerações, embora os efeitos não pareçam durar indefinidamente.

Evidências de herança epigenética em mamíferos apareceram pela primeira vez em animais tais como o camundongo, cujo curto período de vida permite que as mudanças na expressão gênica que venham a ocorrer durante várias gerações sejam observadas em uma década.

Mais recentemente, o fenômeno foi detectado em galinhas, em resposta ao estresse causado por níveis anormais de luz em seu ambiente.

Os pesquisadores da Universidade Linkoping na Suécia criaram um grupo de galinhas sob condições normais de dia e noite, enquanto outro foi exposto à luz com variação aleatória. Os descendentes do segundo grupo descobriram os cientistas, tinham suas capacidades de aprendizado espacial bastante prejudicadas, mas também eram mais agressivos e cresciam mais rapidamente.

Tais características comportamentais nos descendentes estavam ligadas a alterações na atividade, ou níveis de expressão, de 31 genes nas áreas do hipotálamo e das glândulas pituitárias. No restante do animal, a atividade de tais genes era bastante normal, mas foi mudada nas áreas do cérebro conhecidas por serem responsáveis por atributos de comportamento tais como o aprendizado espacial.

Isso exemplifica uma característica fundamental de herança epigenética, a de que os próprios genes são transmitidos como normais, mas sua capacidade de se manifestar— e portanto afetar alguma característica comportamental ou função— é mudada.

Tais ligações claras entre a herança epigenética e a expressão do gene ainda não foram encontradas em pessoas; isso exigiria estudos de várias gerações, levando pelo menos meio século.

Nós simplesmente vivemos demais. Por sorte, porém, existem registros históricos que fornecem surpreendentes evidências indiretas de herança epigenética que sobrevive a pelo menos duas gerações.

Uma delas, na Grã-Bretanha, foi o Estudo Longitudinal Avon, uma pesquisa sobre as crianças nascidas de 14.000 mães que se realizou no início da década de 1990. A pesquisa descobriu que dos 5.000 pais que tomaram parte, 166 começaram a fumar bem cedo, no chamado período de "crescimento lento", antes da puberdade, que para os meninos costuma ser entre as idade de 9 e 12.

Os filhos desses pais tenderam a ter um significativo excesso de peso aos nove anos, mas não houve uma diferença observável para as filhas. Isso estabeleceu uma ligação estatisticamente significativa entre pais que fumaram durante o período de crescimento lento e o peso acima da média de seus filhos.

A descoberta de uma herança epigenética também levou alguns a reviver a anteriormente desacreditada teoria do lamarquismo, segundo a qual os animais podem influenciar seus genes pela forma como vivem.

Segundo a teoria arquitetada por Jean-Baptiste Lamarck, acreditava-se que as girafas, por exemplo, haviam desenvolvido longos pescoços pelo simples ato de esticar-se para alcançar os ramos mãos altos, em vez conseguir essa vantagem de alcance apenas pela seleção naturas dos genes.

Da mesma forma, acreditava-se que filhos de ferreiros herdassem os genes para os fortes músculos braçais desenvolvidos por seus pais durante suas vidas, em vez de apenas desenvolver tais músculos ao adotar a mesma profissão.

Mas isso é uma pista falsa, porque a herança epigenética claramente não envolve a alteração dos genes. O lamarquismo subtendia que as ações ou experiências de um organismo pudessem fazer com que os genes subjacentes fossem modificados por meio da alteração do código do DNA.

A herança epigenética simplesmente altera a capacidade de um gene ser manifestado em um descendente, mas deixa o DNA e os genes, intactos. A herança epigenética pode ser revertida prontamente, e ainda existem poucas ou nenhuma evidência de que isso persista por mais de umas poucas gerações.

E no entanto é exatamente essa faixa de curto prazo, associada à sua capacidade de responder imediatamente às sugestões do ambiente que torna a epigenética uma inestimável ferramenta de adaptação.

Pode vir a ocorrer que a descoberta de uma herança epigenética ajude a preencher algumas das lacunas na teoria da evolução que os criacionistas exploraram para atacar o darwinismo, acrescentando um terceiro mecanismo da evolução aos dois que já conhecemos: mutação e seleção natural de genes.

A mutação é o mecanismo mais lento da evolução, permitindo que os genes mudem e desenvolvam variabilidade dentro de uma população, mas não rápido o suficiente por conta própria para organismos complexos de crescimento lento, tais como mamíferos, para se adaptar facilmente a condições que passam por mudanças.

A seleção natural pode ser vista como um mecanismo de adaptação de médio alcance, trabalhando mais rápido que a mutação, mas não tão depressa quanto a herança epigenética.

Estamos no alvorecer da epigenética, mas cada vez parece mais provável que ela conduza a uma importante reformulação da teoria da evolução. Isso porque, embora a herança epigenética não ressuscite tecnicamente o lamarquismo, ela, na prática, representa que nós transmitimos atributos que adquirimos por meio da experiência aos nossos filhos e até mesmo netos.

Acima de tudo, revela que a biologia não só depende dos genes para as informações que determinam o futuro de um organismo. Pelo menos temporariamente, a informação sobre a herança pode estar num nível acima dos genes, fornecendo um desvio para os obstáculos ambientais.




Tradução: Cláudia Bozzo

Treinamento da memória aumenta o poder cerebral

19/05/2008


Nicholas Bakalar

Um novo estudo descobriu que pode ser possível treinar pessoas para que se tornem mais inteligentes, aumentando o poder cerebral que tinham ao nascer.

Até hoje, tem sido presumido que o tipo de habilidade mental que nos permite resolver novos problemas sem qualquer experiência anterior relevante - o que os psicólogos chamam de inteligência fluida - é inata e não pode ser ensinada (apesar de ser possível melhorar o desempenho em testes com a prática).

Mas no novo estudo, pesquisadores descrevem um método para melhorar essa habilidade, juntamente a experimentos para provar que o método funciona.

A chave, segundo os pesquisadores, é um treinamento cuidadosamente estruturado na memória ativa - o tipo que permite a memorização de um número de telefone apenas o tempo suficiente para discá-lo. Este tipo de memória altamente relacionada com a inteligência fluida, segundo informações do artigo, parece contar com o mesmo sistema de circuitos do cérebro. Então os pesquisadores consideraram que aprimorar esse tipo de memória poderia aprimorar a inteligência fluida.

Primeiro, eles mediram a inteligência fluida de quatro grupos de voluntários utilizando testes-padrão. Então eles treinaram cada um em uma complicada tarefa de memória, uma elaborada variação em "Concentração", o jogo de cartas para crianças, no qual eles memorizaram simultaneamente estímulos auditivos e visuais que teriam de recordar depois.

O jogo era ajustado para que, conforme os participantes tivessem sucesso, as tarefas ficassem mais difíceis, e, conforme falhassem, as tarefas ficassem mais fáceis. Isso assegurou um alto nível de dificuldade, adaptado individualmente para cada participante, mas não alto o suficiente para minar a motivação de continuar trabalhando. Os quatro grupos passaram por meia hora diária de treino por 8, 12, 17 e 19 dias, respectivamente.

Ao final de cada treinamento, os pesquisadores testavam a inteligência fluida dos participantes novamente. Para garantir que eles não estavam apenas aprimorando suas habilidades em fazer testes, os pesquisadores os compararam com grupos de controle que fizeram os testes sem o treinamento.

Os resultados, publicados na revista "The Proceedings of the National Academy of Sciences", foram surpreendentes. Embora os grupos de controle também tenham atingido ganhos, presumivelmente por terem ganhado prática nos testes de inteligência fluida, a melhora nos grupos treinados foi substancialmente maior. Além disso, quanto mais eles treinavam, mais altos ficavam seus resultados. Todos os participantes, do mais fraco ao mais forte, mostraram significativa melhora.

"A inteligência sempre foi considerada um traço herdado imutável", diz Susanne M. Jaeggi, membro do pós-doutorado em psicologia da Universidade de Michigan e co-autora do artigo. "Nossos resultados mostram que você pode aumentar sua inteligência com o treinamento apropriado".

Por que o treinamento funcionou? Os autores sugerem vários aspectos do exercício relacionado a resolver novos problemas: ignorar itens irrelevantes, monitorar o desempenho do andamento, gerenciar duas tarefas simultaneamente, conectar itens relacionados uns com os outros em espaço e tempo.

Segundo Jaeggi, ninguém sabe por quanto tempo os ganhos vão durar depois do fim do treinamento, e o formato do experimento não permitiu que os pesquisadores determinassem se a continuidade do treino produziria mais ganhos.

Tradução: The New York News Service

Em busca do amor, jovens sauditas desafiam labirinto de regras

19/05/2008


Por Michael Slackman*
Em Riad, Arábia Saudita

Nader al-Mutairi contraiu os ombros, fechou os punhos com força e disse: "vamos cumprir nossa missão". Então o jovem entrou na sala de espera fria e vazia de uma clínica dentária, com a intenção de pedir o telefone da jovem que trabalhava como recepcionista.

Pedir o telefone de uma mulher é uma situação que pode deixar um homem ansioso em qualquer lugar do mundo. Mas na Arábia Saudita, ser pego com uma mulher que não seja da família pode significar prisão, tortura e desonra, a pior das penas numa sociedade em que preservar a reputação da família depende da adesão fiel a um rígido código de segregação entre os sexos.

Acima de tudo, Nader temia que seu primo Enad al-Mutairi descobrisse que ele estava quebrando as regras. Nader é noivo da irmã de Enad, Sarah, de 17 anos. "Por favor, não conte a Enad sobre isso", disse. "Ele vai me matar."

O sol já estava se pondo quando Nader entrou na clínica. Quase instantaneamente, sua determinação se esvaiu. Seus ombros se encolheram, suas mãos se abriram e sua voz começou a tremer. "Não é meu dia de sorte; vamos embora", disse.

Foi um ímpeto de rebelião, quase que instantaneamente reprimido. No Ocidente, a juventude é uma época típica de rebelar-se contra a autoridade. Mas o que ficou evidente a partir de uma série de entrevistas com os jovens daqui foi que eles aceitam completamente as demandas religiosas e culturais da sociedade mais conservadora do mundo muçulmano. Eles podem se irritar com as regras, e às vezes até mesmo tentar fugir delas, mas ao mesmo tempo são impiedosos ao condenarem aqueles que audaciosamente as desdenham. Além disso, estão comprometidos a perpetuar essas mesmas regras com seus próprios filhos.

Isso sugere que a interpretação rígida do Islã pela Arábia Saudita, que não é contestada na maioria dos lares pelos integrantes da próxima geração e que é disseminada além das fronteiras do país através do dinheiro saudita numa época de resgate da religiosidade, irá cada vez mais moldar a maneira pela qual os muçulmanos em todo o mundo vivem sua fé. Jovens como Nader e Enad aprendem que eles são os guardiões da reputação da família, espera-se que eles protejam as mulheres da família da vergonha e evitem desonrar suas famílias através de seu próprio comportamento. Este é um exemplo clássico de como os sauditas mesclaram sua fé com suas tradições das tribos do deserto.

"Um dos valores mais importantes do mundo árabe é a honra", diz Enad. "Se minha irmã sai na rua e alguém a atacar, ela não será capaz de se defender. A natureza dos homens é que eles são mais racionais. As mulheres não são racionais. Com umas poucas palavras, um homem pode conseguir o que quiser de uma mulher. Se eu chamar alguém na rua e uma garota responder, eu tenho de pedir desculpas. É uma situação grave. Uma violação do lar."

Enad é um macho alfa, um policial de 20 anos de idade com um temperamento explosivo e um prazer em zombar dos outros. Nader, 22, tem uma fala suave, um sorriso gentil e uma inclinação para seguir em vez de liderar.

Eles são mais do que primos; são amigos e confidentes desde a infância. Esse é o padrão na Arábia Saudita, onde as famílias com freqüência são grandes e insulares. Enad e Nader estão entre dezenas de primos da família Mutairi que desde a infância passaram quase que todo o seu tempo livre juntos: garotos aprendendo a serem garotos, e agora homens, juntos.

Eles são jovens sauditas de classe média, não são ricos nem pobres, não pertencem ao sul ou ao leste mais liberais, mas moram no coração conservador do país, Riad. É uma cidade plana, limpa, de 5 milhões de habitantes, que brilha com a riqueza do petróleo, tem dois arranha-céus de vidro e ruas obstruídas com gigantes SUVs. A cidade tem muito pouco a oferecer em termos de entretenimento para os homens jovens, sem cinemas e com poucos lugares para praticar esportes. Quando solteiros, os homens não podem nem mesmo entrar nos shoppings onde as mulheres fazem compras.

Guardiões da propriedade
Afundado na cadeira estofada do café de um hotel, Nader tomava goles de suco de laranja natural enquanto brincava com seu telefone celular. Se há algum acessório que permite um pouco de auto-expressão para os homens sauditas, é o telefone celular. O de Nader está cheio de fotos de mulheres bonitas retiradas da Internet, closes de rostos de cantoras e atrizes. O toque de seu celular é uma canção de amor em árabe (um dos toques de celular mais populares entre seus primos é a música tema do filme "Titanic").

"Sou muito romântico", diz Nader. "Não gosto dos filmes de ação. Gosto de romance. 'Titanic' é o número 1. Também gosto de 'Head Over Heels' ["Cinco Evas e um Adão"]. Romance é amor."

Três dias depois, num restaurante vizinho, Nader e Enad se concentravam em comer com talheres, sentindo-se um pouco constrangidos já que estão acostumados a comer com as mãos.

De repente, os dois jovens pararam de se concentrar na comida. Uma mulher havia entrado no restaurante, sozinha. Ela estava completamente vestida com uma abaya negra (traje típico das mulheres muçulmanas), com o rosto coberto com um véu preto, cabelo e orelhas cobertas por um tecido preto justo. "Olhe só o Batman", disse Nader zombando, e segurando o riso.

Enad fingiu jogar seu cigarro na mulher, que nesse momento já estava sentada a uma mesa. Ela ficou irritada com os dois jovens, como se tivesse sido pega fazendo algo errado por seus pais.

"Ela está sozinha, sem um homem", disse Enad, explicando por que eles estavam enojados, não apenas com ela, mas também com os parentes homens da mulher, onde quer que estivessem.

Quando um homem se juntou à ela à mesa - alguém que eles assumiram era o seu marido - ela retirou o véu da face, o que aumentou a hostilidade de Enad e Nader. Eles continuaram a zombar da mulher e a fazer gestos e comentários até que o casal mudasse de mesa. Mesmo assim, a mulher ficou tão nervosa que passou a segurar o véu conscientemente sobre seu rosto durante toda a refeição.

"Graças a Deus nossas mulheres estão em casa", disse Enad.

Nader e Enad rezam cinco vezes por dia, normalmente abandonam qualquer atividade que estejam fazendo para ir com seus primos à mesquita mais próxima. A oração é obrigatória no reino, e a polícia religiosa obriga todas as lojas a fecharem durante o horário de oração. Mas isso também é levado de forma casual, como uma rotina para Nader e Enad, assim como parar para tomar um café.

Para Nader e Enad, a oração é essencial. Do ponto de vista de Enad, a jihad [guerra santa] também, e não a abordagem mais moderada do tema, que enfatiza os bons atos, mas sim a idéia de pegar uma arma e lutar em lugares como o Iraque e o Afeganistão.

"A jihad não é um crime, é um dever", disse Enad numa conversa casual.

"Se alguém entra em sua casa, você vai ficar ali parado ou vai lutar contra o invasor?", disse Enad, inclinando-se para frente, com suas mãos curtas e fortes sobre os joelhos. "As terras árabes ou muçulmanas são como a nossa casa."

E ele, iria para a guerra?

"Eu precisaria da permissão dos meus pais", disse.

Nader, por sua vez, respondeu: "Não pergunte para mim, tenho medo do governo."

O conceito é um princípio tão fundamental, tão enraizado nas suas psiques, que eles não vêem nenhum conflito entre sua crença na jihad armada e seu trabalho como agentes de segurança do Estado. Como policial, Enad ajuda a fazer batidas em supostos esconderijos terroristas. Nader trabalha no exército como oficial de comunicações.

Cada um ganha cerca de 4 mil riais por mês, cerca de US$ 1.200, quantia longe de ser suficiente para se tornarem independentes de seus pais. Mas esta não é uma grande preocupação, porque se espera que os pais sustentem até mesmo os filhos adultos, para assegurar que eles tenham um lugar para viver e os meios para se casarem. Para muitos pais, sustentar os filhos com dinheiro é visto como seu principal dever - sua honra -, mais do que assegurar que eles recebam educação formal.

Todos os homens jovens têm um bigode e cavanhaque obrigatórios, e na maioria das vezes vestem-se com o robe tradicional. Nader prefere o thobe branco, que vai até o calcanhar; Enad prefere bege.

Mas nos finais de semana, eles adotam um visual louco e transgressor, usando calças esportivas, camisetas agarradas de manga curta, cores vibrantes, listras combinadas com estampas xadrez, um monte de velcro e elásticos nos sapatos. Nas roupas estilo ocidental, ambos parecem menores, e um pouco gordinhos. Nader diz gentilmente, "Eu não faço exercício."

Vida familiar
Há outras oito crianças na casa em que Enad vive com seu pai, sua mãe e a segunda mulher de seu pai. O apartamento não tem muitos móveis, e nada na parede. Os homens e meninos se reúnem numa sala ao lado do corredor principal, sentados num carpete bege sujo, assistindo a uma televisão equilibrada numa estante torta. As mulheres têm uma sala de estar parecida, quase idêntica, mas as portas fechadas.

A casa ainda é um refúgio para Enad e seus primos, que com freqüência passam o tempo livre dormindo, assistindo Dr. Phil e Oprah legendados na televisão, bebendo café com cardamomo ou chá doce - e fumando.

Enad e Nader sempre foram próximos, mas sua relação mudou quando Nader e Sarah ficaram noivos. O pai de Enad concordou em deixar Nader se casar com uma de suas quatro filhas. Nader escolheu Sarah, apesar de ela não ser a mais velha, em parte porque ele se lembra de ter visto o rosto dela quando criança e achá-la bonita.

Eles logo assinaram um contrato de casamento, que os tornou legalmente casados, mas pela tradição não se consideram comprometidos até a festa de casamento, marcada para essa primavera. Antes disso, eles não podem se ver ou passar nenhum tempo juntos.

Nader disse que espera ver sua nova esposa pela primeira vez depois da cerimônia do casamento - que também será separada por sexo - quando serão fotografados como marido e mulher.

"Se você quiser saber como é o rosto de sua mulher, olhe para o irmão dela", disse Nader defendendo o costume de casar com alguém que ele só viu uma vez, brevemente, quando era criança.

Esse é o Nader tradicional, que às vezes entra em conflito com o Nader romântico.

Logo seu telefone celular bipou, indicando uma mensagem de texto. Nader ficou ruborizado, mostrou a língua e virou-se para ler a mensagem, que foi enviada por "Meu Amor". Ele fala por telefone e troca mensagens de texto com Sarah secretamente. Quando ela liga, ou escreve uma mensagem, seu telefone mostra as palavras "Meu Amor" sobre dois corações vermelhos entrelaçados.

"Eu tenho uma conexão", disse ele, baixinho, enquanto lia a mensagem, explicando como Sarah consegue se comunicar com ele.

Sua conexão é Enad, que secretamente deu a Sarah um telefone celular que Nader havia comprado para ela. Essas conversas são tabu e poderiam causar uma briga entre as duas famílias. Então eles se falam clandestinamente, como se escapassem para um encontro depois que os pais fossem dormir.

Enad guarda o segredo, mas isso aumenta a tensão velada entre os dois primos, conforme Nader tenta desenvolver sua própria identidade como futuro chefe de família, como um homem.

Enad zomba de Nader, dizendo em certo ponto: "Daqui a um ano você vai encontrar minha irmã de bigodes e ele na cozinha."

"Mentira", diz Nader, reunindo toda sua força para se defender. "Sou um homem."

Outro ponto polêmico: a lua-de-mel. Nader está planejando levar Sarah para a Malásia, e Enad quer ir junto. Ele diz que Nader deve um favor a ele. "Me leve", diz Enad, com um toque de ironia.

Nader não sabe dizer se o primo está brincando ou falando sério. "Sabe, ele é meio louco às vezes", diz Nader. "Ele está sempre zangado. Não, ele não vai junto. Não é uma boa idéia."

De volta ao vilarejo
Nader cresceu em Riad, e seus pais, como os de Enad, são primos em primeiro grau. Enad diz que sua forma de pensar foi moldada no vilarejo de Najkh, a 560 quilômetros de Riad, onde ele morou até os 14 anos com seu avô. É lá que ele ainda se sente mais confortável.

Sempre que pode, um primo o leva para a casa do avô, um caixote de concreto no deserto, a seis quilômetros e meio da casa mais próxima. Há um quintal de areia cercado por um muro, com pilhas de madeira usada para aquecer a casa nos meses frios do inverno.

Não há móveis dentro da casa, apenas algumas almofadas no chão e um tapete de oração apontado na direção de Meca. Enad e seus primos jogam o lixo sem pensar para fora da janela da cozinha e pelo quintal, esperando que o "garoto da casa", um homem indiano chamado Nasreddin, limpe sua sujeira - o que ele faz.

Enad pouco fala e esconde seus cigarros quando o avô aparece. Ele nunca contaria ao pai ou ao avô que fuma. Enad continua sem expressão quando um primo diz que uma de suas primas, uma jovem chamada Al Atti, de 22 anos, está interessada nele. O tópico surgiu porque outro primo, Raed, havia pedido a mão de Al Atti, e ela recusou.

O conflito e o flerte esbarraram em muitos assuntos - masculinidade, amor, relações familiares -, o que gerou uma confusão de cochichos, e até Enad se envolveu.

Al Atti contou a suas irmãs que gostava de Enad, mas deixou claro que nunca iria admitir isso publicamente. Então pediu a uma das irmãs para espalhar a notícia de um primo a outro, até chegar em Enad. "É proibido anunciar o seu amor. Isso é impossível", disse ela.

A notícia finalmente chegou a Enad, que tentou permanecer frio apesar de estar claramente interessado, e lisonjeado. Nessa altura, o próprio Enad estava cochichando sobre Al Atti, tentando descobrir uma forma de se comunicar com a jovem sem falar pessoalmente com ela. Ele pediu a uma das mulheres que visitavam a casa para telefonar para ela, e então transmitir sua mensagem de interesse.

Enad disse que nunca passou pela sua cabeça ir atrás dela, mas um homem - um homem de verdade - não pode rejeitar uma mulher que esteja interessada nele. Para tirar seu primo Raed fora da jogada, ele sugeriu que o irmão de al Atti levasse Raed para ouvir a recusa de Al Atti pessoalmente, na casa dela.

"Por detrás de uma parede", disse Enad.

"O amor é perigoso", disse Al Atti sentada com suas irmãs em sua casa. "Ele pode arruinar sua reputação."

Uma questão de romance
Foi uma visita breve de dois dias no vilarejo, e então Enad já estava de volta a Riad para trabalhar. Em Riad ele parecia tanto animado quanto atormentado pelo interesse de Al Atti.

Naquele fim de semana, ele e Nader foram para o deserto, nos arredores de Riad, onde os jovens vão para dirigir jipes pela areia e relaxar, longe da fiscalização da polícia religiosa e dos vizinhos. Eles sentaram-se um ao lado do outro sobre um cobertor.

Nader começou falando.

"Sou uma pessoa romântica", disse. "E não há romance."

O que Nader quis dizer foi que as tradições sauditas não permitem o romance entre casais jovens e solteiros. Há muitas histórias de jovens que se encontram secretamente, se apaixonam, mas são incapazes de contar a seus pais porque não poderiam nem explicar como se conheceram, antes de mais nada. Um jovem casal disse que depois de dois anos se encontrando secretamente eles contrataram uma pessoa para apresentá-los para que seus pais pensassem que foi assim que se conheceram.

Agora, no deserto, a sinceridade de Nader confronta Enad.

"Ele acha que não existe romance. Como pode não haver romance?", diz Enad, seus olhos se arregalando conforme sua raiva ia crescendo. "Quando você se casar, seja romântico com sua esposa. Você quer conhecer uma mulher na rua para poder ser romântico?"

Nader ficou intimidado, e amedrontado.

"Não, não", disse ele.

"Me convença então de que você está certo", retrucou Enad.

"Estou dizendo que não há romance", disse Nader, tentando contra-atacar.

Enad não amoleceu, gritando com seu primo.

Na frente dele, Nader disse: "Enad sabe tudo."

Então se deu por vencido. "Tudo bem, existe romance", disse, levantou-se e foi embora, envergonhado e ruborizado.

Tradução: Eloise De Vylder

A ascensão dos nerds na América moderna

The New York Times


23/05/2008


David Brooks

Em 1950, o Dr. Seuss publicou um livro chamado "If I Ran the Zoo" (Se eu dirigisse o zoológico), que continha este trecho: "Eu navegaria para Ka-Troo, e traria um It-Kutch, um Preep, e um Proo, e também um Nerkle, um Nerd e um Seersucker!" Segundo o psicólogo David Anderegg, este deve ser o primeiro uso impresso da palavra "nerd" no inglês moderno.

No ano seguinte, a "Newsweek" noticiou que "nerd" estava sendo usado em Detroit como substituto para "quadrado". Mas, como Anderegg escreve em seu livro, "Nerds", o termo só floresceria na consciência popular após Fonz usá-lo no seriado "Happy Days", em meados dos anos 70. E assim começou o que se poderia chamar de ascensão do nerdismo na América moderna.

Inicialmente, um nerd era um geek (ou pessoa muito hábil ou viciada em computadores ou tecnologia) com notas melhores. A palavra descrevia um pária colegial ou universitário que era perseguido pelos atletas, veteranos, membros de fraternidades e irmandades. Os nerds tinham seus próprios heróis (Stan Lee, o roteirista de histórias em quadrinhos), suas vocações próprias (Dungeons & Dragons), sua própria religião (fornecida por George Lucas e "Star Wars") e seus próprios conhecimentos (suporte técnico). Mas mesmo enquanto "A Vingança dos Nerds" despontava nas telas de cinema do país, uma versão diferente de reino nerd se infiltrava na cultura popular. Elvis Costello e David Byrne do Talking Heads popularizaram um estilo geek cool que levou a Moby, Weezer, Vampire Weekend e até mesmo ao auto-intitulado rock "nerdcore" e os geeksta rappers.

Os historiadores do futuro do predomínio nerd provavelmente notarão que a fase de conquista de poder teve início nos anos 80, com a ascensão da Microsoft e da economia digital. Os nerds começaram a ganhar grandes somas de dinheiro e adquiriram credibilidade econômica, a base para o prestígio social. A revolução da informação produziu um desfile de magnatas nerds altamente confiantes -Bill Gates e Paul Allen, Larry Page e Sergey Brin e assim por diante.

Entre os adultos, as palavras "geek" e "nerd" trocaram de posição de status. Um nerd ainda era socialmente manchado, mas o reino geek adquiriu sua própria contracultura bacana. Um geek possuía uma certa paixão por conhecimento especializado, mas também um alto grau de consciência cultural e segurança que um nerd carecia.

Os geeks não apenas se rebelavam contra os atletas, mas se distinguiam dos párias alienados e autocomiserados que choravam com reconhecimento ao lerem "O Apanhador no Campo de Centeio". Se Holden Caulfield era o solitário sensível de uma era de opressão aos nerds, então Harry Potter foi o líder mágico na era da conquista do poder dos geeks.

Mas a maior mudança não foi o Vale do Silício em si. Em vez disso, a nova tecnologia criou uma série de playgrounds mentais onde os novos geeks podiam exibir seu capital cultural. O atleta pode brilhar no campo de futebol, mas os geeks podem exibir sua sensibilidade suave e emoções bem moduladas em suas páginas do Facebook, blogs, mensagens de texto e Twitter feeds. Agora há exércitos de designers, pesquisadores, especialistas em mídia e outros produtores culturais com talento para autodepreciação bem-humorada, referências sociais obscuras e análises de fim de noite.

Eles podem visitar sites ecléticos como Kottke.org e Cool Hunting, experimentar com fontes, admirar Stewart Brand e Lawrence Lessig e ingressar em redes sociais com nomes irônicos. Eles criaram uma nova definição do que significa ser cool, uma definição que deixa de fora os talentos dos atletas, dos tipos MBA e os menos escolarizados. Em "The Laws of Cool", Alan Liu escreve: "Cool é um feeling por informação". Quando alguém tem a habilidade, você sabe.

Tina Fey, que já foi capa da revista "Geek Monthly", despontou como símbolo de um geek que cresce e se transforma em um cisne. Agora há um estilo de moda cool geek, que pode ser encontrado em sites de compras por toda a Internet (pense em tênis japoneses e camisetas cheias de texto). A Schwinn agora faz uma bicicleta com aspecto retrô Sid/Nancy, que é doce e desajeitada apesar de seu nome evocar falsa raiva. Atualmente há milhões de pessoas de alta escolaridade guiadas por modos geek e regras de status.

A notícia de que ser geek é bacana aparentemente não chegou aos colégios ou ao Partido Republicano. George Bush exerce um papel interessante na história da ascensão nerd. Com seu professo desdém por coisas intelectuais, ele energizou e alienou toda a legião geek, e com isso grande parte dos americanos com nível superior com menos de 30 anos. Agora militantes, os geeks estão mais coerentes e ativos do que no passado.

Barack Obama se tornou o Príncipe Caspian das hordas de iPhone. Eles o homenageiam com vídeos e cartazes que combinam domínio estético com despudorada adulação de herói. As pessoas nos anos 50 costumava debater seriamente o papel do intelectual na política moderna, mas a figura de autoridade de Lionel Trilling foi removida pela classe de massa dos produtores culturais escritores de blogs.

Então, em um período relativamente curto de tempo, a estrutura social virou de cabeça para baixo. Pois como está escrito, os últimos serão os primeiros e os geeks herdarão a terra.

Tradução: George El Khouri

Educar para a diversidade

São Paulo, quinta-feira, 22 de maio de 2008
Folha de São Paulo

ROSELY SAYÃO


Uma leitora, educadora profissional de uma escola privada, escreveu manifestando preocupação com o fato de muitos pais recusarem o convívio do filho com colegas cujas famílias professam religião diferente da sua. Ela conta que a escola, laica, sempre respeitou alunos que não participavam de festas juninas, autos de Natal e outras comemorações religiosas, mas que, de um tempo para cá, a situação está mais para a intolerância.
O tema pode ser ampliado: muitos pais têm evitado que seus filhos entrem em contato com conceitos, idéias e comportamentos, não só religiosos, porque estes não são aceitos pelas famílias. A máxima de que família e escola devem falar a mesma língua para que a educação seja coerente ganha contornos perigosos dessa forma.
Sabemos que os iguais procuram proximidade, e é seguindo tal princípio que clubes formam seu quadro de associados, que torcidas se constituem, que tribos aparecem, que surgem bairros e sociedades. Afinal, o elo que liga pessoas diferentes entre si, mas com algo parecido ou igual, é a base de todos os agrupamentos humanos. É também o que fornece e mantém a identidade das pessoas.
A família é o agrupamento que dá a identidade primeira para os mais novos, e o sobrenome familiar aponta para a origem de cada um. Em tempos de multiplicidade de referências socioculturais, a educação familiar ganha importância principalmente para garantir referências e valores sólidos.
Entretanto, as referências se constituem apenas em um norte. Não podem se transformar no único caminho a ser seguido. Afinal, a liberdade deve ser meta prioritária em todo tipo de educação.
É na escola que os mais novos entram em contato com a diversidade sociocultural existente. É a escola a responsável por iniciar o processo de separação das crianças dos pais. Tal afastamento é necessário para que a autonomia seja conquistada, para que a criança possa dar seus próprios passos e, mais tarde, conviver em qualquer lugar, com qualquer tipo de pessoa e de qualquer maneira.
Aliás, tal afastamento também propicia o livre acesso ao conhecimento e, logo, à formação do espírito crítico. Em casa, as crianças aprendem a acreditar em algumas idéias; na escola, aprendem a conhecê-las.
Quando os pais proíbem ou dificultam o acesso dos filhos a idéias e hábitos diferentes dos seus, buscam inseri-lo em um grupo homogêneo. Ora, nada mais autoritário e arriscado, pois isso possibilita que se crie a idéia de propriedade da verdade e, consequentemente, da intolerância e do desrespeito.
Aliás, temos vivido esse problema: o outro tem sido considerado um estranho e olhado com desconfiança. Tal atitude compromete a vida pública e temos sentido isso na pele.
Manter os filhos apenas "dentro da família" não deixa de ser um ato incestuoso, já que impossibilita as trocas laterais.
E não queremos aprisionar nossos filhos, não é? Ao contrário, queremos que sejam pessoas livres, autônomas, conscientes do que significa ser cidadão, podendo, desse modo, construir um mundo melhor.