quinta-feira, 5 de junho de 2008

Cientista usa drogas para "turbinar" desempenho

São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 2008



Enquete indica que 20% dos pesquisadores fazem uso "instrumental" de remédios

Fármaco mais popular no meio acadêmico é Ritalina, contra déficit de atenção; substância é usada para melhorar a concentração

DA REPORTAGEM LOCAL

Uma enquete com 1.400 cientistas realizada na internet pela revista britânica "Nature" revela que já está disseminado na comunidade acadêmica o uso de drogas para melhorar o desempenho intelectual. Um em cada cinco entrevistados disse já ter feito uso "instrumental" de remédios que normalmente são usados para tratar problemas psiquiátricos.
A droga mais popular entre os cientistas, ao que parece, é a Ritalina, usada para tratar crianças com TDAH (transtorno do déficit de atenção por hiperatividade). Segundo entrevistados, ela melhora a capacidade de concentração para estudos e pode valer a pena mesmo tendo efeitos colaterais.
A enquete da "Nature" sobre o assunto foi iniciada no começo do ano, motivada por um artigo de pesquisadores da Universidade de Cambridge sobre aspectos socais e éticos desse novo fenômeno. A idéia do trabalho veio de um editorial da própria "Nature", que defende a pesquisa de drogas com propósito específico de melhorar desempenho acadêmico.
A revista -influente em praticamente todas as áreas da ciência- recebeu tantos comentários sobre o trabalho que decidiu fazer uma sondagem própria. A enquete divulgada ontem não tem valor de censo -o questionário era voluntário-, mas revela o que parece ser um fenômeno emergente na maior comunidade científica do mundo, a dos EUA (de onde vieram 70% das respostas).
Num fórum de discussão no site da revista (network.nature.com/forums), a discussão sobre aspectos biológicos tomou o rumo esperado, com todos concordando que é preciso pesar os efeitos colaterais indesejáveis de algumas dessas drogas contra os benefícios que elas trazem a quem é saudável. Contudo, 45% dos entrevistados consideram que, independentemente da questão de segurança resolvida, precisa haver restrições.
"Talvez o fator mais polêmico seja mesmo a questão ética", diz o neurocientista Alfredo Pereira Júnior, da Unesp de Botucatu, que entrou no debate. "Nossa sociedade não aceita, por exemplo, o doping no esporte, porque pode haver uma certa concorrência desleal por parte de quem se beneficia da droga." E, para o cientista, a questão dos efeitos colaterais também não está bem resolvida, já que o mecanismo de ação da Ritalina, por exemplo, é pouco conhecido. "O cérebro é muito complexo e mexer no balanço de excitação e inibição [dos estados de consciência] pode ser imprevisível."
É difícil saber, porém, até que ponto a moda do doping acadêmico pegou. Cientistas dos EUA ouvidos pela Folha, por exemplo, disseram não ter tido contato com a prática.
"Aqui no nosso laboratório trabalhamos com compostos que estimulam a neurogênese [nascimento de novos neurônios], não com essas drogas. As pessoas aqui gostam de comer chocolate, por causa dos flavonóides, e de fazer exercício, duas coisas que têm esse efeito", diz o biólogo Alysson Muotri, do Instituto Salk, da Califórnia. "Pelo que sei, isso [uso de Ritalina] está mais espalhado na costa Leste dos EUA."
O geneticista Marcelo Nóbrega, da Universidade de Chicago, diz que esse ainda não é assunto discutido com naturalidade nos corredores. "Cientista é gente careta. Isso não seria bem visto", diz. Para lidar com a pressão dos prazos, sua receita é outra. "A saída que a maioria usa é a boa e velha privação de sono." (RAFAEL GARCIA)

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